sábado, 26 de dezembro de 2020

 

NATAL DE 1970

MEMÓRIAS

O Natal do ano de 1970, foi passado por nós, do Batalhão, em Henrique de Carvalho. Para quase todos foi o primeiro a ser passado fora do conforto das nossas casas e longe dos nossos familiares e amigos. A nossa família naquele momento eram aqueles que, por força das circunstâncias, estavam connosco a cumprir a missão a que fomos sujeitos.

Estamos habituados a considerar, cada um à sua maneira, esta uma data das mais importante do ano; onde as familias se juntam, confraternizam e muitas vezes a aproveitam para ultrapassar problemas que têm entre si. É um dia de paz. Enfim, é o dia da Família. Por todos estes motivos face à situação que nos encontrávamos esperávamos, embora sabendo que nunca se poderia ter um dia como aos que normalmente tínhamos, que dentro das possibilidades reais nos proporcionassem algo que por alguns momentos sentíssemos um pouco de conforto.

Com antecedência de uns dias era voz corrente que a ceia Noite de Natal ia ser muito boa, ao ponto de terem sido adiadas algumas reuniões de amigos para poderem usufruir de tal manjar. Infelizmente, passou-se o contrário. A ementa nada de especial tinha: batatas com bacalhau em quantidades reduzidas, azeite era quase uma miragem. Deram duas cervejas a cada um. Uns poucos figos e amêndoas torradas, quantidades para dez de cada mesa que sem muito custo uma só pessoa as comia. Em cada mesa havia uma garrafa de Vinho do Porto e um Bolo-Rei, este deveria ter cerca de doze a quinze dias, pois já tinha chegado ao quartel há cerca de oito e trazia mais três de viagem desde Luanda.

Assisti com muito desagrado e alguma amargura a tudo aquilo que me estavam a proporcionar. Só me apetecia abandonar o refeitório o mais rápido possível, mas não era fácil. Entretanto, tive um golpe de génio; falei com o superior e disse-lhe que me tinha esquecido de levar o talher e pedi permissão para ir à caserna busca-lo. Autorização dada, saí e não voltei mais. Não jantei, não fiquei com fome, pois o que tinha assistido saciou-me por completo.

Sei que houve, nessa noite, em muitos teatros de operação quem passou uma Noite de Natal muito pior, por força das circunstâncias, do que a nossa. Mas, face às condições que tínhamos, quem nos comandava deveria ter um pouco mais de respeito e de consideração por todos nós, quanto mais não fosse naquela noite.

O almoço do Dia de Natal foi mais aceitável, bifes com batatas fritas em quantidades aceitáveis. Convêm referir que a tal aconteceu devido à Diamang ter oferecido a carne de dois touros.

(Carlos Amaral)


Sem comentários: