domingo, 16 de outubro de 2016


COMPANHIA DE CAÇADORES 2698

O jornal "Correio da Manhã" na sua edição de 08 de Maio de 2016,  e da autoria do seu colaborador Leonel Ralha, publicou a narração, de alguns momentos vividos pelo do nosso camarada António Garcia, durante o tempo da sua comissão . Pelo seu interesse, transcrevemos essa citação.  


“Vi uma surucucu a 20 centímetros” 

Junto ao monumento do único morto que tivemos na nossa Companhia


Embarcámos no ‘Pátria’ a 27 de abril de 1970. Íamos no porão, abaixo do nível de água, e depois da Madeira mudei-me para o convés, onde se conseguia dormir. Lá em baixo, a higiene era pouca e o calor insuportável. Demorámos dez dias e dez noites a chegar a Luanda, onde nos meteram num comboio, que era mais para transporte de animais, para o Grafanil. Nos quatro ou cinco dias à espera de transporte, visitámos a fábrica da Cuca, para nos adoçarem o bico. Bebemos umas cervejadas. 

Partimos, passando por Vila Salazar e Malanje, onde dormimos. Deitei-me debaixo do autocarro, que estava mais fresco, e os nativos vieram pedir as sobras da ração. Havia lá muita miséria. No dia seguinte, 3 de junho, almoçámos em Henrique de Carvalho e fomos 180 quilómetros para o interior, até Chimbila, onde ficámos 18 meses.

 Não tínhamos ainda 24 horas no aquartelamento quando bateram à porta, às duas da madrugada, para levantarmos uma ração. Os ‘turras’ tinham assaltado uma sanzala e levado gente, e o meu pelotão foi escalado para seguir no encalço, com uma secção da companhia dos ‘velhinhos’. Fizemos 40 quilómetros de Unimog e começámos a perseguição, com ajuda de aldeões que tinham fugido. Em dois dias no mato, não conseguimos detetá-los e, ao ficarmos sem mantimentos, fomos para a sanzala do Peso. De manhã, foram buscar-nos e voltámos para o quartel. Passados dois dias, saiu outro pelotão e também não recuperou ninguém. Aliás, se eles fossem espertos, até à mão nos agarravam. A floresta é cerrada e tínhamos de ir em fila indiana, sem perder de vista o colega da frente.

 COBRAS NO CAPIM 

O meu pelotão fez outra operação para tentar apanhar um comandante da guerrilha, a quem chamavam o ‘Paciência’, e que tinha muita tática de guerra, na zona do rio Casange, a 80 quilómetros do aquartelamento. Certa vez, estava eu deitado no capim, a descansar, encostado ao saco dos mantimentos, quando ouvi um ruído estranho. Levantei-me, devagarinho, e vi uma surucucu a 20 centímetros de mim. A gente não podia dar fogo, mas o guia matou-a à paulada. 

Algum tempo depois, estando a dormir, encostado a uma árvore, acordei com uma cobra preta perto da cabeça. Calquei-a com as botas de cabedal que levava nas saídas para a mata. Só de manhã vi que tinha uns 60 centímetros. Apanhei uns sustozitos.

 Havia no aquartelamento uma companhia de artilharia a dar apoio à construção de uma estrada. E nós protegíamos os condutores dos camiões que levavam terra para a niveladora. Os ‘turras’ fizeram umas rajadas e feriram um condutor. E a 28 de novembro de 1971, na povoação de Samaína, rebentou uma mina, que matou o Cruz, único da companhia a morrer. Não era para estar ali nesse dia, mas trocou com outro. Também morreu um soldado da companhia de artilharia.

 Era muito duro, mas os últimos meses, em Dundo, onde estava a sede da Diamang, já foram umas férias. Tínhamos um dia por semana para usar a piscina, outro dia para ir ao cinema, eletricidade e assistência médica. Em Chimbila, passou-se muita fome e muita sede. Tínhamos de ir buscar água potável a 20 quilómetros do aquartelamento. 

Regressámos a 26 de junho de 1972. Mas para cá já viemos de avião. Seis horas de viagem em vez de dez dias. 


  ANTÓNIO GARCIA   Comissão   Angola (1970-1972) Força   Companhia de Caçadores 2698 Atualidade Tem 67 anos, é aposentado. Casado, tem um filho

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