VIAGEM COMPLICADA
Estavamos
no ano de 1969 e viajar não era muito comum para a maioria das
pessoas. Sempre havia umas excursões, organizadas por asssociações,
pelo barbeiro, pelos frequentadores de cafés, etc, etc. Muita gente,
principalmente as do interior, nunca tinham visto o mar e até os
comboios. Mas esta situação começava a mudar-se, principalmente
para os homens, com o serviço militar. Os “entendidos” resolviam
pôr o pessoal a viajar. Assim, deslocavam os chamados mancebos para
locais que destinavam a expensas suas, e assim ficavam a conhecer os
país.
Eu
até ingressar, obrigado, no serviço militar era um dos que pouco
tinha viajado. O mais longe que tinha ido, recordo-me, tinha sido à
Figueira da Foz. Os meios de comunicação, também, não permitiam
ir muito longe num só dia. No serviço militar até Angola, como
sabem, fui. Isto devo, sem dúvida alguma, aos nossos governantes da
época.
Uma
das viagens que fiz, já a cumprir o “meu” dever como patriota,
foi como diz o título deste comentário: bastante complicada, como a
seguir passo a contar:
Tinha
acabado a especialidade de Operador de Mensagens, no Porto, Regimento
de Transmissões e das poucas hipóteses que tinha para escolher a
minha colocação, tivemos o privilégio de exercermos essa
prerrogativa, face às que me foram apresentadas, eu escolhi Mafra;
Escola Prática de Infantaria.
No
dia 29 de Novembro, Sábado, levaram-me como a muitos mais, para a
Estação de Campanhã, com uma guia de marcha, para viajar para o
destino que tinha escolhido. O comboio era o Correio, como era
chamado, e saiu daquela estação às 00,20 com destino a Lisboa. A
minha guia dizia que tinha de fazer transbordo na Estação de
Alfarelos. Logo muita atenção para não a passar sem sair. Mas onde
era Alfarelos?. De nome eu conhecia, mas a Estação é que não. E
de noite “todos os gatos são pardos”. Valeu-me a ajuda de um dos
acompanhantes que era daquela zona e me iria informar quando lá
chegássemos. Assim aconteceu. Mais: como era músico numa Banda da
zona de Soure, indicou-me um Sargento-Mor, também músico, que
se encontrava em Mafra na banda da unidade. Aceitei a sugestão.
Depois
de sair do comboio, dirigi-me a um funcionário para que me desse
orientação para continuar a viagem. Entretanto, juntaram-se outras
pessoas e fomos encaminhados, à luz de umas lanternas, pois tivemos
que atrevessar algunhas linhas, para uma composiçaõ que já lá se
encontrava à espera de possíveis passageiros. As suas condições
eram fracas, mas passados cerca de dez minutos de andamento parou.
Fomos informados que tínhamos de saír e passarmos para outra.
Estávamos na Estação de Amieira.
A
composição para onde fomos encaminhados era de nível superior à
anterior, mas estava totalmente às escuras. Entrei numa carruagem,
constatando que já lá se encontravam outros passageiros. Não me senti
muito bem. Os ditos ocupantes, pelo que me apercebi estavam
embriagados, vinham da Póvoa de Varzim e tinham acabado o serviço
militar. Após alguns minutos, sorrateiramente, abandonei o local e
instalei-me noutra carruagem.
Convencido
que iria fazer o resto da viagem para Mafra instalei-me o melhor
possível. Porém, enganei-me, passado algum tempo novo transbordo.
Aqui, falha.me a memória, estávamos na estação da Figueira da Foz
ou Caldas da Raínha? Suponho que era na primeira; linha do Oeste.
O mês de Novembro estava a terminar, período de muito frio, e eu bem o sentia. Para minorar a
situação, arrisquei e vesti por cima da farda uma gabardine, civil,
que levava na bagagem e que era forrada com pêlo. Agora nova
atenção; Mafra era longe ou já ali?. A manhã estava aí e o
comboio começou a encher. Com receio de ter problemas por ir vestido
meio à paisana meio à militar tirei o agasalho que me servia de
conforto. Notei que a pessoas que me acompanhavam ainda não tinham
reparado na situação, pela sua admiração. Falei com alguns,
disse-lhes qual o meu destino e se estava longe ou perto. Prontamente
se ofereceram para me informarem quando lá chegássemos.
Entretanto,
fui informado pelo Revisor que a Estação de Mafra ficava a alguns
quilómetros do quartel, cerca de oito, e possivelmente não teria ligação até à
vila. Aconselhou-me a sair na Malveira e aqui apanhar um autocarro
para a mesma. Seria o mais aconselhável. Tudo para mim era novidade
e aceite o conselho.
Malveira,
já era bem de dia, entre as oito e as nove da manhã. Procurei o
local de partida do autocarro. Informei-me dos horários e comprei o
bilhete; custo quatro escudos, hoje dois céntimos!!!! Fui tomar o
pequeno-almoço.
Iniciei
a viagem, aqui, pelas informações obtidas não havia mais
transbordos. Finalmente cheguei ao destino. O motorista indicou-me
onde era a entrada do quartel. Desci do autocarro e à minha frente
tinha o Convento, fiquei pasmado, conhecia a sua grandeza por
fotos, mas ao vivo era coisa bem diferente.
Dirigi-me
à Porta de Armas, abordei o sentinela de serviço, que de imediato
se pôs em sentido, disse-lhe ao que ia. Por entre dentes
perguntou-me de onde eu era, respondi-lhe: de Gaia. Ele também o
era, mas não nos conhecíamos. Perguntei-lhe como era aquilo alí,
respondeu-me: olha para a letras que estão no cima da porta. Olhei;
E.P.I., então traduziu-me: Entrada Para o Inferno!!!!! Boa
receção..........
Fui
encaminhado para o Oficial de Dia, era um Major. Ia cheio de
tremideiras: tinha de me apresentar; dizer aquela ladainha que nos
tinham ensinado: apresenta-se o soldado nr. etc, etc. Não foi
preciso, devia ter conhecimento da minha chegada e fui encaminhado
para uma Companhia onde iria pertencer. Fui recebido pelo Cabo de Dia
que registou a minha chegada e mandou-me apresentar no dia seguinte.
Um pormenor: não tinha direito a almoço naquele dia, só jantar.
Foi-me dada uma licença para sair do quartel.
Saí,
era Domingo, dia 30 de Novembro. Mafra estava em festa, realizava~se
a Feira de Santo André. Percorri a mesma, estava em plena zona
saloia, com hábitos e costumes bem diferentes daqueles a que estava
habituado. Apreciei tudo quanto vi fazendo comparações. Estava
muito frio e muito vento. Recolhi-me num café, suponho o Central,
comi algo. De tarde voltei à feira. Jantei no quartel e deitei-me
cedo, pois não tinha dormido na noite anterior e não sabia como
iria ser o meu dia seguinte.
Crachá E.P.I. |
Porta de Armas |
Carlos Amaral
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