"Zeca Afonso acabou com programa de rádio"
Chegada. Começámos logo mal porque o pequeno-almoço atrasou. Fomos castigados. Estive numa emissora regional e fiz o baptismo de voo.
O primeiro dia no Campo Militar de Grafanil, para onde foi o Batalhão de Caçadores 2911, começou logo mal. O pequeno-almoço atrasou e, quando o comandante chegou, a formatura não estava pronta para a apresentação. Foi um pé-de-vento enorme. Ficámos duas horas formados ao sol e vários militares desmaiaram. Foi o nosso baptismo. E ainda ficámos proibidos de sair. O nosso comandante, Paços Esmariz, era bom, mas passava-se de vez em quando. Em 17 de Maio de 1970 arrancámos para a nossa zona de acção: Henrique Carvalho, uma capital do distrito de Lunda. Demorámos dois dias a fazer 1200 quilómetros. Quando chegámos só havia uma estrada alcatroada, mas tinha uma pista de aviação descomunal, com quatro quilómetros. Quando viemos embora, em 1972, já as ruas estavam todas alcatroadas. Eu desempenhava a função de oficial de serviço de material e tinha como missão verificar se estava tudo a correr bem com a manutenção das viaturas. Foi numa dessas saídas que fiz o meu baptismo de voo, num avião Cessna. Foi muito engraçado, mas estava cheio de medo. Ia sozinho com o piloto, que, tal como eu, não falava muito. Então, para desanuviar o ambiente, eu disse: "Estamos a seguir um rumo certinho?" Ele perguntou-me porque estava a dizer aquilo, ao que eu respondi: "Porque a bússola não se mexe." Então, ele retorquiu: "A bússola está avariada, mas não se preocupe que eu conheço o caminho." Apanhámos uma enorme trovoada, mas ele voltou a descansar-me dizendo que havia uma gaiola de Faraday. Entrámos lá dentro, apanhámos pancada de todos os lados, mas saímos bem. Antes de aterrar, o avião deu duas voltas e começou a baixar. Mas eu não via a pista e conclui que estivesse avariado. Só depois percebi que a pista era um caminho. Apanhei tudo o que era mau, mas foi uma experiência única. Uma das inspecções que fiz foi em Camaxil, uma zona de muito paludismo. Quando chovia transformava-se numa ilha. Por precaução, o meu comandante até colocou aí um médico em permanência. A pista ficava a sete quilómetros, percurso que demorava três horas a fazer quando chovia. Levei um cabo – Mateus Baptista – que era um bom profissional para me ajudar na inspecção. Mas durante o percurso apanhou a doença. Ao chegar ao quartel já estava doente e ficou quatro dias de cama. Não me ajudou em nada. Durante a minha permanência em Lunda também fiz rádio numa emissora regional da Rádio Oficial de Angola. Eu, o alferes Amaral e o furriel Valente fazíamos um programa duas vezes por semana. Chamava-se ‘Mosaico’. O nome foi escolhido pelo comandante. Passávamos música e fazíamos artigos sobre cinema e música. Os discos eram emprestados por militares ou por uma loja que vendia um pouco de tudo. Entre outras, passávamos música de Zeca Afonso. Nunca ninguém nos disse que era proibido. Mas, passado um tempo, apareceu lá um fulano que exigiu ver os artigos que tínhamos para ler no programa. Começou a fazer emendas, mas dava mais erros gramaticais do que nós. Quando começou o programa só pusemos música. Não lemos os artigos e no final anunciámos que tinha sido o último programa. Ele não disse nada, mas todos sabíamos que tinha ido até ali por causa do Zeca Afonso. Outra situação que me marcou aconteceu praticamente no final da comissão, quando ocorreu um acidente com uma viatura Berlier entre Nova Chaves e Muriege. O condutor seguia com mais três pessoas e, quando saiu do quartel, anunciou que ia bater um recorde, mas não conseguiu. Numa picada embateu numa árvore e teve de parar. Para os socorrer, saímos às 05h00 e fizemos 150 quilómetros tudo por picada. Acabámos por ter de passar lá a noite. Para fazer a segurança tínhamos os Cipaios. De manhã perguntámos se tinha corrido tudo bem. Eles responderam afirmativamente. Apenas que tinha andado por ali um leão. Felizmente estávamos todos a dormir e não nos apercebemos do animal, mas de facto lá estavam as pegadas. Numa outra inspecção, em Cacolo, foi-me oferecida a oportunidade de me dedicar ao negócio dos diamantes, mas recusei. Estava lá uma companhia de indígenas e colocaram-me num quarto na pseudomesse. No dia seguinte, quando um deles me foi acordar, levava um frasco cheio de diamantes e perguntou-me se queria comprar. O nosso batalhão, apesar de estar em zonas de combate difíceis, só teve um morto. DEDICOU-SE À VIDA MILITAR Carlos Manuel Jales Ferreira Pimentel estava no 3.º ano do curso de Engenharia Electrotécnica, na Universidade de Coimbra, quando foi para Angola. De regresso a Coimbra ainda fez mais duas cadeiras, mas pediu o reingresso no serviço militar. Esteve um ano na Escola Prática de Serviços de Transporte na Figueira da Foz e depois foi para o Regimento de Serviço de Saúde. A partir daí dividiu a sua carreira entre Coimbra e Figueira da Foz, tendo feito dois deslocamentos em Penafiel (1986-88) e no quartel general em Lisboa (1996-98). Em 2004 passou à reserva. PERFIL Nome: Carlos Pimentel Comissão: Angola (1970/1972) Força: Batalhão de Caçadores 2911 Actualidade: Hoje, aos 64 anos, na Figueira da Foz
Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/zeca-afonso-acabou-com-programa-de-radio.html
1 comentário:
Carlos Pimentel... um grande amigo. Em Angola e por cá.
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