AS
MINHAS FÉRIAS MILITARES
Estávamos praticamente
nos finais de 1970, e eu já cansado e saturado da situação em que
me encontrava, resolvi gozar férias, ao abrigo do Regulamento
Militar. Foram-me concedidos trinta dias, mas com a condição de as
mesmas serem passadas fora de Henrique de Carvalho. Não podia haver
truques, pois tal teria de ter a confirmação de uma unidade militar
do local onde eu passasse o tempo. Teria de o fazer à chegada e à
partida.
O meu pedido foi deferido
e local escolhido foi Luanda. Quem tinha feito igual pedido foi o
Luciano, radio telegrafista, e combinamos fazer companhia um ao outro.
Começamos a planear a viagem de ida. Ele tinha familiares naquela
cidade onde se iria instalar. Fizemos a viagem separados com a
promessa de por lá nos encontrarmos. Eu tentei junto da Força Aérea
uma boleia no Nord Atlas, o que não consegui. Fiz contactos junto
dos comerciantes da cidade e arranjei boleia num camião. Parti no
dia 14 de Novembro. O Luciano, entretanto, já tinha partido em igual
meio de transporte.
A viagem foi um pouco
complicada, para mim uma autentica aventura. O motorista, pessoa
bastante
simpática, que eu
desconhecia, por coincidência era meu conterrâneo, de Vila Nova de
Gaia (Avintes). A primeira paragem foi no Cacolo, 142 kms
percorridos, ainda não havia estrada alcatroada, havia sim: muitos
buracos e lama, onde almoçamos e descansamos um pouco.
Continuamos a viagem e
quando começou a escurecer, ainda cedo, parámos, numa localidade,
de nome Capenda-Camulemba, junto à estrada, para passarmos a noite.
Tínhamos percorrido 295 Kms. Fomos a um estabelecimento comercial
onde comemos qualquer coisa, pois a oferta era reduzida. Depois da
refeição falámos com o seu proprietário para ver a possibilidade
de eu dormir dentro do mesmo. O motorista iria dormir na cabine do
camião. Tal pedido foi recusado, sendo-me sugerido passar a noite
numa viatura que estava abandonada na estrada. Sem qualquer outra
hipótese tive de aceitar o conselho. Fazia frio e chovia. O meu
comparsa de viagem emprestou-me um cobertor, a noite ia ser longa.
Desolado, entrei na
viatura, deitei o corpo no banco traseiro e as pernas no da frente,
que já não tinha costas. Fiquei em espécie de ângulo reto. A chuva
não parava, e era muita, mas com o tempo lá adormeci. Entretanto,
acordei sobressaltado por um ruído de muitas vozes. Alguém andava
por ali muito perto. Temi o pior: será que iria ser assaltado?
Enchi-me de coragem e, lentamente, levantei a cabeça para ver o que
se passava. Fiquei mais calmo, pois verifiquei que se tratava de um
grupo de nativos que andava a apanhar mangas que tinham caído das
árvores com o temporal e presumi que ainda não me tinham visto. Com
a ponta dos dedos bati no vidros, eles ao verem-me, talvez pensando
tratar-se de um espírito mau, desataram a fugir. Eu, eu senti-me um
herói, e não era para menos.
Chegou a manhã e
continuamos a viagem. Passamos por Malanje e à noite pernoitamos
numa localidade, cujo nome não tenho em memória. Mas aqui foi numa
pensão. Chegamos no dia seguinte, segunda-feira, dia 14, ao nosso
destino. Despedi-me do motorista, que ia com o camião carregado de
bidons vazios com a missão de os encher de combustível e regressar
a Henrique de Carvalho, suponho para a Base Aérea.
Encontrava-me numa cidade
praticamente desconhecida, só lá tinha estado aquando do nosso
desembarque, e tinha de arranjar um local para me instalar durante o
tempo que por lá ia estar. Fiquei duas noites numa pensão, que
disso só tinha o nome, as suas instalações eram bem piores do que as que tinha no quartel. Entretanto, passei para a Pensão Miramar, esta já
com algumas condições. Os proprietários eram simpáticos e o dono
chamava-se Ernesto. Não deixo de registar que alguém, entrou no meu
quarto e me surripiou uma máquina fotográfica, que lamentei.
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Luanda - Parque Miramar
O Luciano lá apareceu,
encontrei-o na baixa, junto à Cervejaria Portugália, local
previamente combinado. Fomos passando tempo com idas à praia e
vagueando pela cidade. Encontrei amigos e um deles levou-me a fazer
um treino de Andebol, modalidade desportiva minha preferida, ao ASA,
um clube da cidade. No dia 29 de Novembro, domingo, fui passar o dia
à Ilha de Mussulo, etc, etc.
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Ilha do Mussulo |
O dinheiro que tinha não
era muito, bem pelo contrário, logo os gastos eram os mínimos.
Tinha deixado instruções para que o meu pré fosse levantado por um
camarada ficando este do mo enviar. Não cumpriu o combinado, e eu,
naturalmente, comecei a contar as moedas.
Aproximava-se o fim das
férias e há que tratar da viagem de regresso. Mas como? O dinheiro
que restava não chegava para fazer face ao custo da mesma, se utilizasse um transporte público. O Luciano estava nas mesmas
condições. Portanto, só nos restava arranjar um boleia.
Resolvemos, por indicação de alguém, ir para a saída da cidade,
já depois do Grafanil, estrada de Catete, para um local que suponho
que funcionava como posto de controlo, pois os camiões paravam todos
lá. Era madrugada do dia 11 de Dezembro. Fomos falando com os
motoristas, mas para Henrique de Carvalho ninguém ia. Foi-nos sugerido
arranjar até Malanje e aí para o nosso destino. Assim fizemos,
conseguimos e a viagem começou. No decorrer da mesma, com o calor, o
barulho do motor e o sono a apertar, por vezes adormecíamos. Numa paragem que fizemos o motorista advertiu-nos: “se continuarem
a dormir ponho-os fora do camião”. Nada aconteceu e lá chegamos a Malanje.
Agora, nesta cidade,
tínhamos que arranjar outra boleia. Contactamos vários comerciantes
mas nenhum tinha qualquer transporte para a nossa zona. Outra
hipótese era utilizarmos uma empresa de transporte de passageiros que fazia viagens para Henrique de Carvalho. Era de facto uma
hipótese, só que o dinheiro que tínhamos não chegava para o
bilhete. Seria que eles confiariam em nós, deixando-nos pagar no
destino?. Não chegamos a saber, pois encontramos um Furriel do nosso
Batalhão, chamado Laginha, de uma companhia operacional. Falando com ele, ficamos a saber que também vinha de férias, e que
viajava juntamente com uma delegação da Junta Autónoma das
Estradas de Angola, que utilizava vários Jeeps no seu transporte e
dirigia-se para a nossa cidade. Sem indicarmos a fonte da
informação, fomos ao hotel onde estavam hospedados, falámos com o
responsável, Engº. Espinha, contamos-lhe a nossa situação e
pedimos-lhe compreensão. Nada nos prometeu, mas foi dizendo para
aparecermos por lá, no dia seguinte pelas seis horas da manhã.
Viagem mais ao menos
assegurada, lá fomos arranjar local para pernoitar. Encontramos-nos,
novamente, com o Laginha e com a sua ajuda dormimos na Messe dos
Sargentos de um dos quartéis da cidade.
No dia seguinte, conforme
o combinado aparecemos, fomos bem recebidos e sem quaisquer problemas
iniciámos a viagem. A meio da mesma parámos num estaleiro da firma
Lourenços, construtora de estradas, onde foi servido um
almoço-volante a toda a comitiva, sendo nós por inerência sido
convidados. Nada mau, nada lá faltava.
Depois dos estômagos
devidamente aconchegados, continuamos a viagem, chegando ao fim da
tarde do dia 12 a Henrique de Carvalho. Agradecemos as atenções que
tiveram connosco e recebemos um elogio pela boa companhia que lhes tínhamos feito. Jamais esquecerei as suas atitudes.
Assim, Fim de Viagem e
Fim de Férias, que também, pelas peripécias, foi uma aventura. Não
poderei esquecer que éramos um jovens, com vinte e dois anos, que
com poucos recursos se propuseram a dar um “chuto” no marasmo em
que nos encontrávamos.
Memórias de : Carlos Amaral
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